Monday, January 22, 2007

Justiça tardia

Se não estivesse já habituada ao carácter surreal e caricato da sociedade portuguesa, diria com certeza tratar-se de uma anedota de mau gosto a histeria gritante e infundamentada que se gerou em torno da detenção e condenação do sargento Luís Manuel Gomes (por sequestro da ‘filha adoptiva’). Revolve-me o estômago e desperta em mim vontade de sair à rua para bater nas pessoas. Não só nos histéricos que esperneiam e mandam bitaites ao ar sem sequer se importarem em inteirar-se dos pormenores do caso, como bater também nos jornalistazecos de terceira categoria que fazem questão em transmitir à carneirada a verdade parcial e distorcida dos factos.

Afinal, o povaréu (o mesmo que faz da Floribella um fenómeno de adoração nacional) acha muito mais aliciante a versão pseudo melodramática do sargento mártir e injustiçado a quem querem arrancar (os malditos) a filhinha dos braços.
Poderão perguntar-me porque me deixo eu afectar por balelas que não me dizem qualquer respeito. Dir-vos-ei eu que, a partir do momento que eu ligo a televisão à hora dos noticiários, em busca de um pouco de paz de espírito, depois de um dia árduo (ou não) de estudo, e sou bombardeada por notícias ridículas como esta, estou automaticamente imiscuída no caso. E mesmo que não queira, sou afectada por uma estupidez tamanha que nunca pensei ser possível.

Ora, se a mim me parece evidente que alguém que recebe de uma imigrante brasileira (ilegal) uma bebé de três meses (em circunstâncias dúbias, não me admirava nada), sem o conhecimento do pai biológico (que só passado um ano sabe ser sua filha e a perfilha) e se recusa a entregar a criança ao verdadeiro pai, impedindo-o sequer de a ver, (apesar de lhe ter sido atribuído o poder paternal) merece claramente ser punido, todavia a muita gente, pelos vistos esta conclusão não será assim tão óbvia. E é isso que me irrita. Isso e o facto de ao invés de manterem a tolice da sua teima para si mesmos, fazerem questão de o gritar aos sete ventos.

Mas insistem: ‘então e o amor que essa família tem pela criança, então e o choque que essa menina, que já se afeiçoou aos pais "adoptivos", irá sofrer?’ ‘a criança devia ficar com o casal que a acolheu porque foram eles que lhes deram afecto e carinho’. Bem, decerto que o senhor sargento e sua mulher gostam muito da menina, mas se a amassem de facto tê-la-iam entregue ao pai, Baltazar Nunes, quando ela ainda tinha 2 anos, gradualmente para diminizar o choque na pequena Esmeralda (a quem tratavam por Ana Filipa – um pequeno pormenor doentio...). Portanto, se há alguém que deve ser culpado pelo sofrimento que será causado à criança, esse alguém é o casalinho egoísta que quis para si algo (uma criança) que não lhes pertence.

Poderão também dizer, como já li algures ‘e se um dia chegassem a sua casa e quisessem levar o/a seu filho/a alegando ter sido trocado na maternidade’. Quanto a isso tenho a dizer que é uma situação completamente diferente, apesar de à primeira vista poder parecer semelhante, mormente a gente que careça de neurónios: acontece que o sargento e sua esposa, a não ser que nunca lhes tenham contado a antiga lengalenga das abelhinhas e das florzinhas bla-bla-bla, ou acreditassem piamente na história da cegonha que vem de França, com certeza saberiam que para conceber uma criança são necessários um pai e uma mãe, tinham plena consciência de que a Esmeralda não era de forma alguma ‘propriedade’ sua. Portanto, tinham cumprido o seu dever de pais ‘adoptivos’ extremosos e entregue, com muito pesar como é óbvio, a criança ao pai biológico. Mas não, os senhores preferiram servir o seu egoísmo e manter para si a ‘Ana Filipa’. Pior ainda, recusaram-se a deixar que o pai visse a própria filha, nem no dia do 2º aniversário em que ficou à porta com um presente para a filha. Isto para mim é imoral e de extrema má índole. E perturba-me que conspurquem o meu tempinho de descanso em frente ao televisor, ao ver e ouvir barbaridades destas.

Tome lá senhor sargento, 6 anos na choça, que é para não se armar em espertinho. E a sua esposa que entretanto fugiu a monte com a menina (?!) quando for encontrada, e espero que seja com a maior brevidade, seja brindada com uma valente pena também.

Mas como a plebe ignorante é casmurra, na sua ausência cerebral, retorque indignada: ‘e porque é que o pai não apoiou a mãe durante a gravidez, porque não assumiu logo a paternidade’ ‘se o pai amasse a filha deixá-la-ia com o casal porque já se afeiçoou a eles e porque eles têm mais condições para a criar’. Porém, eu sou uma pessoa muito paciente (ou não), e respondo: como o próprio pai admitiu, a filha foi fruto de uma relação meramente física e temporária com uma brasileira, e não querendo generalizar (não porque não o aprove, mas porque não estou para ouvir sermões), arrisco dizer que não teria uma conduta lá muito honrosa. E portanto questiono: quantos dos homens que se deitariam com uma brasileira nestas circunstâncias não ficariam de pé atrás em relação à paternidade em caso de gravidez? E a menos que tivessem um espírito muito complacente ou fossem realmente muito estúpidos, não se iriam arriscar a assumir uma criança cuja mãe provavelmente tinha mais parceiros e com quem tinham mantido uma relação meramente sexual.
Foram ordenados exames que confirmaram a relação parental e desde então Baltazar Nunes perfilhou Esmeralda, com o único interesse de ter para si uma filha que lhe pertence. O mesmo, provavelmente, não se poderá dizer da mãe que não me provocaria espanto algum ter sido ‘recompensada’ pelo casal que tanto ansiava por um filho.
Em relação ao ‘se o pai amasse a filha deixá-la-ia com o casal porque já se afeiçoou a eles e porque eles têm mais condições para a criar’, seguindo a mesma linha de raciocínio todas as crianças que sejam raptadas à nascença, de uma maternidade por exemplo, e sejam encontradas 4 ou 5 anos mais tarde, bem tratadas e com todas as necessidades asseguradas, devem permanecer com o casal raptor porque, afinal, devolvê-las aos pais biológicos seria um ‘tremendo’ trauma para as criancinhas. E seguindo também essa mesma linha de argumentação, os casais que apresentem um rendimento inferior passam a ver os seus filhos arrestados para outras famílias com rendimento superior. Não faz sentido, pois não?

Em suma, acho muitíssimo bem que esse sargento que ignorou e infrigiu a lei (numa situação em que estava implicada a vida de uma criança), tenha sido punido (até fiquei admirada, confesso, só é pena tê-lo sido tardiamente) porque privou um pai de assistir ao crescimento da filha, aos primeiros anos que são tão importantes e marcantes tanto para os pais como para os filhos, privou-o sem qualquer consideração, e privou ainda a ‘Ana Filipa’, que tanto diz ‘amar’, de conhecer o seu papá. Resta-me esperar que este pai sofredor que há quase 5 anos luta por uma filha a consiga finalmente ter consigo.

E resta-me esperar também que todos aqueles que defendem o casal criminoso, com base nos argumentos ocos da comunicação social, deixem de ver a Floribela e ponham a cabecinha a pensar por si.


Se estiver porventura errada nalgum facto relatado, ou não corresponder à realidade, não quero saber.

Para os mais obstinados (simpaticamente falando):

Texto integral do acórdão.

14 comments:

Anonymous said...

Concordo consigo. Parabens pelo seu texto.

longBlackCandle

Anonymous said...

Não concordo com o texto...
no entanto dou-lhe os meus parabéns pelo nome do blog "ausência cerebral", que resume em duas palavras o que aí está.

Anonymous said...

"Se estiver porventura errada nalgum facto relatado, ou não corresponder à realidade, não quero saber."

Muito bom, este final.

Quanto ao texto, 100% de acordo

Anonymous said...

Ñ sejas ridicula... uma pessoa com a tua cabecinha não pode cair no desastre moral de punir assim um casal que, apesar de não ter tido cuido aquando da suposta adopção, nomeadamente tentando saber se a criança tinha ou não pai, não esqueçamos o facto de que o tão, por ti, querido e estimado pai biológico, só assim o soube quando foi OBRIGADO pela polícia, depois de várias vezes solicitado para o fazer também pelo tribunal, um teste de paternidade. Diz-me então quem é o responsável e paternalmente sensível para não estar sequer interessado em saber se era ou não pai da tal criança, sendo que a própria mãe já o tinha como suspeito? Além do mais, não se esqueceu ele de pedir uma indemenização ao estado e só depois... a guarda da criança que tem de facto 5 anos. Estes dois senhores, o 'sequestrador' e sua esposa, acusados de não sei que... foram, curiosamente, recomendados como potenciais 'pais' para a tal criança... e de facto parece que esta teve excelentes 5 anos de vida! Não concordo com o facto de não revelar o paradeiro da FILHA nem da mulher... da mesma maneira que não concordo com a sua prisao... 6 anos por sequestro, a um pai que sempre garantiu felicidade e condições à sua filha é sem duvida ausência cerebral!

Anonymous said...

Concordo consigo inteiramente.
Só não vê a verdade dos factos quem não quer, quem se deixa toldar pelos meios de comunicação que só dizem o que lhes convém.
Texto muito bem conseguido!

Anonymous said...

Caro "Penguin", gostaria de saber se o senhor assumiria prontamente um filho/a de uma puta (perdão) brasileira, sem ter os resultados do teste de paternidade na mão. Pois, claro que não. Quanto ao resto da verborreia por si vomitada só tenho a dizer que ridículo é você.

Parabéns à formiguita catarrenta pela agudeza de espírito.

Anonymous said...

Os cães ladram e a caravana passa! Deixa-os ladrar!

Felizmente vivemos num estado de direito onde comprar crianças é crime! Nem que seja para as amar muito!

Em Portugal não é permitido registar uma criança com pai incógnito para salvaguardar o direito da criança a ter um pai biológico e dar ao pai biológico a oportunidade de assumir os seus direitos e os seus deveres para com a criança, inclusivé o direito de a dar para adopção. Este pai optou à 4 anos que queria ser pai desta filha.

Quantos homens neste país que têm "relações ocasionais" com mulheres (e devem ser muitos a avaliar pelo número florescente de casas de alterne) estariam dispostos a aceitar os filhos dessas mulheres como seus? Quantos lutariam por esses filhos quando se vissem na prova da paternidade? Tenho a certeza que seriam muito poucos! E muitos deles ladram agora para disfarçar aquilo que, no fundo, sabem... Este pai tem uma integridade que tomara muitos deles. Uma integridade do tamanho do Amor que tem pela filha! Sim, que amar um filho à distância é o Amor mais nobre... e sofrido! Se me tirassem um filho e me impedissem de o ver eu nunca deixaria de lutar por ele e de o amar!

Quanto aos "bonzinhos" da fita... que apodreçam na prisão!

Anonymous said...

caro duarte, com toda a estima... só lhe tenho a dizer que essa questão que coloca é absolutamente ridicula... pois quem 'fode' com uma prostituta, sabe, caso nao tenha tomado as devidas precauções, os riscos que corre, nomeadamente no que concerne a filhos. Mas não estou aqui para discutir a vida de uma brasileira nem de um senhor que com ela deciciu dar cambalhotas... a vdd e que o casal tentou legalizar a adopção e para isso teve que perguntar a brasileira quem suspeitava ser o pai... pois NAO PODEM HAVER FILHOS DE PAIS INCOGNITOS... e o suspeito recusou.se a fazer o teste voluntariamente. Foi por intimação do tribunal que o fez... e msm assim o processo da adopção atrasou.se! Isto não mostra falta de carácter pelo casal adoptivo mas sim pela parte do pai que nem voluntariamente se dignou a fazer o teste dizendo... 'ah ela e uma puta pode ser qql um' esquecendo.se que podia ser o proprio o pai da criança! é duma falta de sensibilidade, passados 5 anos, independentemente do processo, retirar a crainça àqueles que dela sempre cuidaram... ainda que nao legalmente...! Chama.se situação de afecto em que um casal sem adoptar trata de um criança! Pergunto: Sabendo o pai biológico à priori que podia ser o pai assim como não podia, não seria de bom senso ter feito logo o teste e não te-lo recusado, alegando que a brasileira era uma puta? A isso chamo preconceito... mas um preconceito muito hipocrita... pois para ter algumas simples e 'banais' relações provavelmente ja a deve ter achado a melhor e mais sexy brasileira prostituta do mundo...

A proposito...: sou ela... prazer!

Já a formiga tem catarro said...

Amiga penguin, será o último comentário teu que aceito tanto pelo conteúdo como pela forma em que foi escrito.

Optei por aceitar este para que sirva de exemplo a tua pequenez de raciocínio, e para que eventualmente sirva de pretexto a valentes gargalhadas.

Anonymous said...

Num país onde filho(a) da p*** é o pior insulto que se pode dirigir a alguém, este pai optou por não usar as armas rasteiras que o poderiam desculpar publicamente da sua recusa em aceitar a criança antes do teste de ADN.

Por outro lado, a "mãe" escolheu um rapazola para gerar uma criança que lhe garantiu um futuro sem privações...diz que um patrão lhe ofereceu uma casa (?)... Alguém acredita nesta história? Não estava nos planos dela que este rapazola se enchesse de brio e reclamasse a criança para si. Agora vem em defesa de quê? Da mama que certamente se vai secar se a criança for devolvida a quem tem toda a legitimidade para a amar! Ou então que se descubram as verdadeiras motivações que levaram esta alminha a tecer este plano sórdido...

Ou somos um país de carneirada muito ingénua ou o cinismo desta gente é do tamanho do Mundo!
Acordem!!

Anonymous said...

Eu sinceramente, pela informação disponivel, não entendo onde é que o pai, o sr. Baltazar, possa ter agido mal.
Provalvelmente teria feito exactamente o mesmo que ele fez e também sou pai, por acaso um dos meus filhos tem a mesma idade da menina sequestrada.

Senão vejamos, vamos supor que eu tinha uma relação ocasional com uma alternadeira brasileira. Passado umas semananas ela vinha ter comigo e dizia-me que estava grávida e eu era o pai da criança.

Eu gostava de saber qual dos senhores aqui assumiria prontamente a paternidade sem esperar pelos resultados do teste de ADN. Há algum???

O sr. Baltazar foi obrigado a fazer os testes de ADN não por causa do pseudo-processo de adopção mas porque a lei assim o obriga. Todas as crianças tem um pai e uma mãe, mesmo que o pai seja identificado à força.

Ora como todos sabemos este tipo de processos e testes de ADN não se fazem de um dia para o outro, demorou cerca de 1 ano até se confirmar que o sr. Baltazar era de facto o pai da menina altura em que a perfilha e entende ter as condições para a criar e amar (sim, porque não é só o casal "bonzinho" que é capaz de AMAR ou acham isso?).

Até aqui parece-me tudo perfeitamente normal da parte do pai, o mesmo não posso dizer do comportamento dos "pais adoptivos".

A partir deste momento é a história que se conhece com o casalinho bonzinho a recusar-se a entregar a criança ao pai mesmo após o tribunar o ter ordenado.

Este tipo de crime, sequestro, configura uma pena que vai de 2 a 10 anos de prisão. O sr. sargento apanhou 6 anos, uma decisão tomada por um colectivo de 3 juizes. Parece-me o minimo e não vejo volta a dar, por mais petições e recursos que o povaréu, mal informado, decida fazer.

Se no meio deste folclore todo há algum herói, ele é com toda a certeza o sr. Baltazar.

Em relação à Esmeralda, faço votos para que a policia descubra o seu paradeiro rapidamente e que a raptora vá fazer companhia ao marido.

E as maiores felicidades ao pai e à filha.


ps: para os menos informados vale a pena rever esta noticia no CM de Maio de 2006: http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?idCanal=0&id=202320

Anonymous said...

Cara penguin, é, no minimo, cómico que, por duas vezes, refira que a "mãe" tinha como SUSPEITO da paternidade do seu filho o Baltazar... SUSPEITO??? Um homem vai de livre vontade a um tribunal responder num caso de paternidade, com toda a exposição que isso acarreta, porque uma brasileira ilegal com quem deu umas cambalhotas SUSPEITA que ele é o responsável pela gravidez que ela não soube (ou não quis) evitar?

No seu desespero em seguir o rebanho tenha cuidado para não voltar a cair... Assim só dá razão ao "inimigo"!

smdsm said...

Pois é ... A sociedade portuguesa é que é surreal. Ah pois é sim senhor.
De facto muita culpa tem a juíza que mandou o sargento Gomes para a cadeia. Se lhe tivesse aplicado uma pena leve, a esta hora não havia heróis. Nem havia um colectivo dum tribunal em quase nenhures, catapultados para as primeiras páginas dos jornais, com meio mundo indignado.
Isto para não falarmos do autentico escarro , em conteudo e forma, que é aquele acordão. Em Portugal, nem os juízes sabem ler, interpretar e escrever!

Rouxinol said...

Uma história interessante para contar aos netos